Responsabilidade: Lugar de Fala

Lugar de fala? O que é isso? Como uma criança sem dinheiro para pagar uma educação decente  (no Brasil, o estudo privado tem maior qualidade e o estudo público é intensamente debilitado) poderia saber isso, poderia lutar para ter seu lugar, para se impor? Ela simplesmente não poderia, ou melhor dizendo, não pode.

Até Jean-Jacques Rousseau declarar que é necessário educar uma criança para virar um homem antes de um cidadão, esse grupo era simplesmente introduzido na sociedade com todas as funções e responsabilidades de adultos. Com a inserção e evolução desse conceito a criança passou, em relação a esse aspecto, de uma posição de igualdade a uma de completa dependência. Atualmente as leis controlam os níveis de responsabilidade que uma pessoa tem por meio de determinações de idade, por exemplo, na maioria dos países ocidentais a idade mínima para conseguir dar entrada em um hospital é 18 anos. A questão é, uma pessoa menor de idade em um contexto de emergência faz o que? Espera sem atendimento no hospital até algum responsável chegar? Em casos extremos há um atendimento, porém só o necessário para salvar a vida do indivíduo, qualquer coisa a mais não é feita porque é ilegal.

Não afirmo que discordo de Rousseau, pelo contrário, concordo plenamente com ele nesse aspecto, porém sua tese foi mal desenvolvida e/ou mal aproveitada. No processo de tornar a criança um homem houve um desvio e a criança se tornou alguém que não é capaz, por não ser ensinada, de fazer diversas tarefas essenciais a uma pessoa independente, como, por exemplo, primeiros socorros. Em outras palavras, ela se tornou alguém que todos buscam proteger excessivamente, virando um ser incapaz de agir autonomamente. Em vez de formar pessoas formamos crianças em corpos de adultos e após determinada idade esperamos que elas ajam como perfeitos cidadãos. Não se pode afirmar que a ideia de Rousseau foi, de fato, realizada, pois falhamos imensamente em educar as crianças para serem pessoas.

Sendo assim, se a criança não é capaz de agir por si própria, como é possível esperar que ela tenha maturidade o suficiente para exercer seu lugar de fala? E se ela não é capaz disso, quem a representará? Segundo as leis, os pais ou o responsável mais próximo. 

Felizmente a lei busca seguir os ideais de Montaigne, isto é, retirar qualquer tipo de violência no trato dos pais com os filhos, bem como do processo de educação como um todo (“Sou inteiramente contrário a qualquer violência na educação de uma alma jovem que se deseje instruir no culto da honra e da liberdade. O rigor e a opressão têm algo de servil e acho que o que não se pode obter pela razão, a prudência , ou a habilidade, não se obtém jamais pela força”. [Montaigne. Ensaios, II, p. 181]). Isso, no entanto, não ocorreu ao longo de toda a história, pelo contrário, é uma prática ainda muito recente que não chega a ser aplicada mundialmente, o que significa que, por muito tempo, a justiça colocava nas mãos de pais que podiam ser abusivos, violentos, estupradores, etc toda e qualquer posição de fala da criança,  deixando-a efetivamente sem uma representação justa e imparcial.

Portanto, resta-nos a pergunta: se a criança é incapaz de se representar e a justiça muitas vezes falha nesse quesito, quem o fará? A solução mais lógica me parece ser focalizar na filosofia de Rousseau e tornar as crianças de fato em pessoas e cidadãos autônomos, afinal, a justiça, por ser composta por homens, sempre será muito volátil, influenciável e, sendo assim, inclinada a cometer erros.

– Flávia Vaz

Fonte de informações: http://www.unicamp.br/~jmarques/cursos/2001rousseau/mdn.htm